Organizando meu iTunes, fui criar uma lista com músicas de Paul McCartney, quando me deparei com um leve mal estar: não combinava misturar as músicas que eu ouvia quando menor (Another Day, Pipes of Peace, Coming Up) com as músicas que passei a conhecer mais recentemente (Ram On, The Back Seat of my Car), mesmo que fossem da mesma época.
Por quê? Pensei melhor e construí rapidamente uma pequena teoria — que, na pior das hipóteses, só se aplica a mim mesma. Quando somos menores (infância e parte da adolescência), o contato com a cultura é também uma busca identitária. Nós nos projetamos para nos encontrar no outro. No caso específico de Paul ou dos Beatles, quando ouço aquelas músicas marcadas pelo tempo, sinto bastante prazer ainda, mas preciso estar em uma certa “onda” nostálgica. Ou narcísica: é como se a música estivesse se entranhado tão profundamente em mim que eu a ouço vinda do meu próprio corpo, não das caixas de som. Como quem revisita antigos cadernos e lembra de certos sentimentos, certos cheiros, detalhes esquecidos de certos ambientes.
É um processo totalmente diferente da escuta atual, que não me parece tanto uma projeção, mas o movimento inverso: de acolhimento de um outro que se agrega em mim, mas permanece outro. E esse processo coincidiu, no meu caso, com a entrada na fase adulta. Por exemplo, ouço Dave Brubeck desde os meus dezoito anos, e ainda ouço do mesmo jeito. Mas a maioria das músicas dos Beatles, que comecei a ouvir aos nove anos (e era beatlemaníaca aos quatorze), talvez sejam para sempre reminiscência.