Uma vez, li um comentário em rede social que dizia assim, palavra por palavra: “A religião sempre vai deixar as pessoas bregas, mal arrumadas, descuidadas, porque o peso da vaidade sempre vai impedir.”
Essa não é uma opinião minoritária. Na cabeça de muitos, mulheres cristãs andam desarrumadas porque cristianismo e beleza não combinam. De fato, para um bom número de crentes sinceros, a beleza não conta, pois “o que vale é o coração”. Estendem a ideia para todas as áreas, com isso desprezando até a arte. Tudo piora quando pensamos que nós, protestantes, temos um passado cruel de torcidas de nariz para as artes visuais — um provável efeito colateral da luta contra a idolatria das imagens nas igrejas. Quando o racionalismo cartesiano, informado por um neoplatonismo dualista, forçou uma divisão entre o mundo de Deus e o mundo dos homens, aprofundou-se na mente moderna o dualismo inaugurado no Éden, com o pecado original, entre aparência e essência. A Bíblia jamais endossa nem esse, nem dualismo algum.
Eu ainda não era cristã quando a seguinte frase, proferida pelo ator Juca de Oliveira em um programa de entrevistas, atingiu-me em cheio: “A forma é a parte visível do conteúdo”. Ele explicou que a frase havia resolvido muitas coisas em sua cabeça. “Bom, na minha também”, eu poderia responder. A consciência da destrutividade dos dualismos começou aí, estendendo-se por minha conversão, quando li Francis Schaeffer (A morte da razão) e, muitos anos depois, através do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, entrei em contato com a boa teologia de Cornelius Van Til, John Frame e Vern Poythress, bem como com a filosofia de Herman Dooyeweerd — todos eles excelentes combatentes de dualismos. E permanece hoje, quando mais leituras me aqueceram o assunto e renderam uma dissertação de mestrado em teologia filosófica sobre autoimagem, desejo mimético e idolatria que, se Deus quiser, em breve virará livro.
Essa é a parte teológica da minha busca de conciliação interior entre os atributos da inteligência e da beleza, que levou anos para consolidar-se. Sem o desejar conscientemente, eu via a ambas como opostas e acreditava que precisava escolher a primeira e desprezar a segunda. Foi um processo sofrido, pois resolver o desencaixe que eu percebia dentro de mim era crucial para minha identidade e voz pública. Se você me conhece e lê desde 2005, quando eu falava mais de política que de beleza, talvez estranhe um pouco essa nova ênfase.
Porém, ela não é nova: mesmo nessa época eu já dizia que política nunca foi meu assunto preferido e, aqui e ali, salpicava meu blog algo irado com postagens aliviadoras sobre literatura, música, cinema, perfumes (algumas delas reeditadas neste site em meu novo blog).
Quanto à beleza pessoal, precisei de um longo caminho para desfazer em meu espírito a ideia de “futilidade” associada a moda, maquiagem, perfumes e cabelos, cuidados que tardiamente passei a amar. Hoje, não só pesquiso, palestro e escrevo sobre a beleza de um ponto de vista teórico e teológico, mas também trabalho como consultora de imagem a partir de uma cosmovisão cristã, para ajudar mais mulheres a se enxergarem como parte da beleza que Deus gera e redime no mundo criado.