Está em dúvida sobre a quem ouvir? Alguma coisa não está soando bem nas pregações que tem acompanhado? 

Observe os três critérios que Calvino nos deu para distinguir a igreja fiel:

Pregação fiel das Escrituras

Correta administração dos sacramentos

Correta administração da disciplina

Repare que basta prestar atenção ao primeiro critério para deduzir o resto. Se a igreja é fiel às Escrituras, seus líderes vão reconhecer como ordem direta de Jesus o batismo e a ceia (nossos sacramentos) e não deixarão a coisa “rolar solta” na igreja.

Então, ao escolher suas influências, tanto na igreja quanto na internet, a fidelidade às Escrituras é o critério de ouro. O que você deve observar? Se a pregação realmente se baseia na Bíblia e não usa o texto como pretexto. Se a palavra é norteada pelo “roteiro” bíblico: Criação, Queda e Redenção. Se o objetivo é mostrar quem é Deus, quem somos nós e o que é o mundo através das lentes das Escrituras, e quais as implicações práticas disso.

Criação — Segundo o cristianismo, o Deus verdadeiro é triúno, onipotente, onisciente e eterno, todo amor e bondade. Ele criou o mundo e tudo o que nele há: todas as criaturas tiveram um começo no tempo e têm sua vida sustentada pelo Criador, dependendo Dele em tudo. Portanto, elas são obrigatoriamente menores que Deus, pois vieram Dele. Porém, ainda que radicalmente diferentes do Criador, foram criadas para o adorar e estar em comunhão com Ele.

Queda — A Queda (Gn 3) rompeu essa comunhão: a partir da desobediência e da empáfia do ser humano, que quis elevar-se acima de Deus, todo o mundo foi posto em desordem, maldade e morte. Somos pecadores. Ainda que jamais tenhamos atentado contra a moral mais básica que diz “não mato e não roubo”, matamos quando odiamos alguém e roubamos quando desejamos o que não é nosso (Mt 5). Além disso, toda qualidade em nós, por mais maravilhosa que seja, é manchada de alguma forma pelo pecado. Seu desejo de ajudar pode ferir; sua mania de organização o torna impaciente; sua inteligência o faz desprezar pessoas sem estudo formal… e por aí vai.

Redenção — É obtida somente por meio de Cristo, que morre a morte que nos era devida e nos “recupera” para Deus, em um sacrifício definitivo que nos leva a um caminho progressivo de santificação diante de Deus. Nós nos arrependemos da desobediência e da empáfia, somos perdoados e seguimos, confessando nossos pecados ainda cometidos, sendo perdoados e amando a Deus a cada dia, aprendendo sua vontade que é boa, agradável e perfeita.

Se a pregação não for fiel, a ênfase será no homem e suas realizações, não na grande realização de Deus ao nos conquistar novamente para si através de Cristo. Nas igrejas, a teologia da prosperidade e a teologia da libertação têm sido as duas vertentes mais conhecidas a efetuar essa inversão: a primeira insiste em que Deus nos quer ricos acima de tudo (como Kenneth Hagin e seus seguidores), enquanto a segunda enxerga como desejável a redenção através do Estado (sobre isso indico a leitura de Contra a idolatria do Estado, Franklin Ferreira). Se o maior interesse de Deus é na nossa saúde financeira, Ele se torna ídolo, escravo de nossas vontades. Se a maior redenção a que devemos aspirar é a deste mundo, o sacrifício de Cristo fica em segundo lugar, portanto, Deus é novamente diminuído.

Na internet, mesmo quando a ênfase não é nem dinheirista nem ideológica, tem havido uma grande confusão entre o moderno discurso do coaching e a vontade de Deus. O ídolo se torna a qualidade de vida. Se dependermos disso para adorar a Deus, seremos sempre escravos das circunstâncias e não aguentaremos quando vierem os problemas. Mas em Deus há verdadeira segurança. Sim, Deus está interessado em nossa qualidade de vida, tanto que a Bíblia está sempre nos ensinando como viver bem. Ele nos quer mais felizes, produtivos e tranquilos. Então, qual a diferença? Na Bíblia essa qualidade não depende tanto das circunstâncias, mas fundamentalmente do amor que o próprio Deus nos infunde. Obedecer a Deus e colocá-lo em primeiro lugar na vida é bom para nós, como consequência. Não o buscamos para obter qualidade de vida, mas sim porque Ele merece adoração. “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça [ou seja, a retidão, o que é correto a Seus olhos] e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

Da mesma forma, a submissão do pregador/youtuber/podcaster ao Deus que se revela nas Escrituras se refletirá em humildade, não só em relação aos ouvintes, mas também à história da teologia cristã. Ele fará menções a teólogos de sua tradição e mestres contemporâneos, mostrando o quanto dependeu e ainda depende deles, em vez de falar como quem reinventa a roda. Pode até criticar outras igrejas e teologias, mas isso não será o principal de sua pregação. Seu amor pela Palavra o levará a estimular nos ouvintes o mesmo amor e exortá-los a ler sempre as Escrituras por si sós, para conferir o que ele diz (como os crentes de Bereia, At 17.11-12). Indicará bons livros e falará à inteligência dos ouvintes, não só ao coração. 

Além disso, sua liderança não será idolátrica nem personalista. Será acessível e revelará alguns dos próprios pecados e lutas, pois se apresenta como um pecador tal como outros; “gente como a gente”. Já reparou que as seitas sempre estão concentradas demais no nome de um líder? É porque elas operam como os governos totalitários, como as ditaduras. Mas na pregação verdadeira há a consciência de que todos são importantes e cooperam juntos para o bem comum, aprendendo uns com os outros.

Em resumo: (1) Seja “bereiano” e confira se a pregação está conforme a Bíblia; (2) desconfie tanto do pregador “bacana” que fala como um coach sem temor a Deus, elevando o ego dos ouvintes à altura de divindade, quanto do arrogante que se acha a única fonte da verdade cristã, elevando a si mesmo à altura de divindade.

Para facilitar, indague a si mesmo se o pregador, youtuber, podcaster etc. tem as seguintes práticas: Centraliza a pregação no homem e em suas realizações? Desvaloriza a Bíblia por omissão? Pede ofertas o tempo todo? Prega a salvação através da política? Só menciona pastores, teólogos e autores para criticar e nunca para indicar, falando como se fosse o Papa do cristianismo, primeiro e único? Afaga seu ego e não faz você refletir seriamente? Promete mundos e fundos em vez de remeter você aos pés de Cristo? Coloca-se como exemplo positivo o tempo todo, como se fosse impecável? Isso dirá muito sobre sua fidelidade.

One Comment

  • Letícia Dantas disse:

    É impossível adorar alguém a um Deus que é igual a ele mesmo. Infelizmente pregações que exaltam o ego e os feitos humanos estão a cada dia mais em destaque.

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