Poucos meses antes de minha conversão, em 1995, sonhei que eu estava na praia, olhando para uma carcaça de ônibus que flutuava na água. Em dado momento, uma onda mais forte a impulsionou e quase me atingiu; escapei por um triz, correndo para meu pai, que estava em uma parte mais alta da areia. Quando me converti, entendi que aquele ônibus simbolizava meu antigo caminho errado, e minha corrida para o pai, a salvação.
A percepção do caminho errado (carcaça de ônibus), junto com a atitude concreta para corrigi-lo (correr para o Pai), estão pressupostos no termo grego que a Bíblia em português traduz como arrependimento (At 19.4, 2Pe 3.9) e transformação de mente (Rm 12.2). Metanoia é uma mudança de pensamento tão profunda que produz inevitavelmente novos modos de viver. Em nossa cultura, que idolatra o aspecto sensitivo, é fácil confundir o arrependimento com uma emoção isolada, sem consistência. Mas o verdadeiro arrependimento, que vem de Deus, é sólido e produz frutos.
Isso tudo é bem conhecido entre os crentes. Mas o que hoje me ocorreu de modo especial foi que o estudo bíblico direcionado para um tema específico pode ser expressão de arrependimento. Como assim? Se, como disse John Frame, a apologética é a “aplicação da Palavra à incredulidade” — não apenas a do outro, mas em primeiro lugar a minha (Mt 7.3-5) — , todo aquele que se esforça para compreender a Palavra de Deus está combatendo a própria incredulidade, da qual primeiro precisou arrepender-se. Sim, porque não nos arrependemos da incredulidade somente na conversão. Ao longo de toda a vida, há aspectos da doutrina e da vida cristã que não nos “descem”, por assim dizer. “Brigamos” com Deus por causa de alguns trechos da Palavra, e isso é normal, pois somos pecadores em vias de santificação! Anormal seria concordarmos com tudo o que lemos. Nossa leitura precisa ser confrontadora, e será, caso seja de fato uma leitura diante de Deus, com a ajuda de Seu Espírito, que nos convence do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.7-11). Quando isso ocorrer, seremos chamados para abraçar esses pontos mais difíceis como aspectos reais, legítimos e agradáveis da vontade de Deus para nós. E às vezes teremos dúvidas que levarão tempo e darão trabalho para serem sanadas. Por si só, a dúvida não ofende a Deus; na verdade, Ele nos chama para uma conversa esclarecedora (Is 1.18) e não nos repreende por nossa confusão, mas nos cura dela (Jo 20.25-28). Fingir que as dúvidas não existem e sufocá-las no fundo da consciência — isso sim é fugir da verdade, portanto, pecado.
Neste momento, faça uma oração e pense um pouquinho. Qual é aquela verdade bíblica difícil de aceitar? No seu coração, em que assuntos o amor, a bondade e a justiça de Deus foram colocados em xeque? Que ensinamento você recebeu de alguém e desconfia de que está errado, mas lhe falta coragem para questionar mais fundo? Pode ser dolorido reconhecer essas questões, mas faça-o no espírito da metanoia diante de Deus. Não as empurre mais para a zona cinza da mente. Não finja que se contentou com as respostas que tem recebido ao terceirizar sua fé. Se você de fato é um convertido ao Senhor Jesus, estará partindo da premissa de Romanos 3.4: “seja sempre Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso”. Arrependa-se da mentira que seu coração tem lhe contado e busque corrigi-la com a Palavra de Deus. Provavelmente você vai precisar de muita ajuda — aulas, conversas com líderes da igreja e irmãos mais maduros, comentários bíblicos, teologias sistemáticas, consulta a vocábulos gregos… Eu preciso e conto com essa ajuda o tempo todo. O resultado valerá a pena: uma fé mais sólida e um coração mais apaixonado por Jesus.