No primeiro século, a cultura do dominador romano considerava a mulher inferior ao homem. No judaísmo da época, que teve seu desenvolvimento corrompido pela idolatria, a situação não era muito melhor: a hebreia era invisível socialmente. De acordo com o Talmude (um dos livros sagrados dos judeus), ouvir uma voz feminina em público entre outros homens é “vergonhoso” (Brachot 24a); quem fala com uma mulher “traz o mal sobre si” (Abot 1.5) e “ensinar a sua filha a Lei equivale a ensinar-lhe devassidão” (Sota 3.4).
Em contraste com esses maus modelos, a vinda de Cristo inaugurou uma grande mudança de mentalidade na visão da mulher. De fato, Jesus contrariou todas essas orientações rabínicas. Conversou longamente com uma mulher em público, para espanto dela mesma e dos discípulos, explicando pontos cruciais da fé e apresentando-se abertamente como o Messias (Jo 4.5-29). Também instruiu outras mulheres, como Marta e Maria (Jo 11.25-26), referindo-se a esse ensino como “a melhor parte” (Lc 10.39-42). Nunca repreendeu as muitas mulheres que o seguiam por todo lado, algo raríssimo naquela cultura. A exemplo do mestre, o apóstolo Paulo deu destaque a várias mulheres cujo trabalho foi crucial para o progresso da igreja em seus primeiros anos. Além de Afia (Fm 1.2), Ninfa (Cl 4.15) e Febe (Rm 16.1-2), temos Priscila, que, com seu marido Áquila, foi chamada de “cooperadora em Cristo” (1Co 16.19, Rm 16.3). Paulo também afirmou que Evódia e Síntique “trabalharam no evangelho” (Fp 4.2-3) junto com ele. Após tantos séculos, isso ainda deve nos confrontar: além de servir nas tarefas cotidianas, quantas mulheres têm se dedicado seriamente ao estudo bíblico para trabalhar no evangelho em nossas igrejas?
Entre todos os diálogos públicos de Jesus com mulheres, talvez o mais emblemático seja o da cura de uma mulher que sofria de uma hemorragia constante (Mt 9.20-22, Mc 5.25-34, Lc 8.43-48). Em Levítico 15, eram previstos vários rituais de purificação (que cessaram com a vinda de Cristo), e um deles visava a mulher ao final de seu período. No caso dela, estava “imunda” permanentemente, e não devia sequer ser tocada (Lv 15.27). Pode-se então imaginar sua vergonha, pois estivera doente por doze anos, gastando com médicos tudo o que tinha para recuperar sua dignidade. Ao buscar Jesus em público, ela preferiu permanecer no anonimato. O Espírito lhe deu uma fé extraordinária: ela se esgueirou por trás de Jesus, na multidão, e pensou: “Se eu só tocar nas roupas dele, vou ser curada.” Sentiu então que a cura veio, e estava certa; mas Jesus não a deixaria ir embora do mesmo jeito que veio, anônima, curvada sob os anos em que permanecera fugindo das pessoas para não ser tocada. Ele perguntou insistentemente “quem me tocou?”, e ela não teve jeito a não ser revelar-se, para que sua cura fosse conhecida por todos. Cura do corpo e da alma: Jesus a olhou nos olhos e a reconheceu publicamente como um maravilhoso instrumento da glória de Deus.
Esse e outros relatos bíblicos do Novo Testamento parecem revelar ainda com mais clareza a posição dignificada da mulher no reino de Deus. O poderoso exemplo de Cristo suprime em definitivo qualquer tentativa de opressão contra as mulheres a partir das Escrituras.
Artigo publicado originalmente em Bíblia de Estudo Desafios de toda mulher. São Paulo, Mundo Cristão, 2015, p. 1339.