O processo de santificação é lento. Ouvi isso de James Houston e nunca mais esqueci. Costumo associar a frase à constante alusão de Jesus a árvores e frutos. Um fruto não aparece de uma hora para a outra. Aliás, não tem nada mais lento que o crescimento de uma planta. Se você a examina o tempo todo, vai se chatear, mas um belo dia — pam! — lá está ela do dobro da altura, exibindo um raminho novo…

Assim é o crescimento espiritual, assim somos nós em tantos assuntos. Comigo, a questão da saúde foi lenta, lenta. Por conselho do livro do Dr. Alexandre Feldman, parei de tomar a pílula há dez anos — ironicamente, meses antes de casar. Desconfiava de que o medicamento, recomendado para ovários policísticos, havia potencializado as enxaquecas que agora tinha diariamente e que variavam apenas de intensidade. Por isso segui também a dieta Feldman, buscando meus gatilhos, e descobri que pão de queijo não me dava dor de cabeça, o que me fez suspeitar do glúten; ainda assim só cometi a bênção e a besteira de me abster dessa colinha maldita quase dois anos depois. Digo “bênção” porque isso reduziu 80% da força das minhas enxaquecas (não a frequência). E digo “besteira” porque não fiz o teste para doença celíaca antes — mas na época apenas alguns gatos pingados sabiam que era necessário comer glúten por três meses para um resultado viável. Hoje, não sei se sou celíaca porque não voltarei a comer glúten para os testes; no mínimo sou portadora de SNCG (Sensibilidade Não-Celíaca ao Glúten), o que, percebo agora, dá no mesmo: preciso me abster de glúten para o resto da vida e ainda tomar cuidado com a contaminação cruzada.

Esse último ponto foi como o açúcar na minha vida: depois de abrir mão do glúten e da lactose (intolerante 100%, segundo o teste), teimei muito em abrir mão dos doces de fruta que me deixavam tonta e enjoada. “Pré-diabética”, minha endocrinologista enunciou, o que me fez correr para a alimentação Low Carb, depois Very Low Carb e, quando vi que não emagrecia, hoje faço uma Low Carb moderada que, quando sigo à risca, funciona. Xylitol para os brownies e mousses em que ainda exagero um pouco. Ovos no café da manhã com um tico de tapioca. Carne em quantidades normais, legumes à vontade, tubérculos bem controlados. Quando saía de casa, porém, liberava o carboidrato de novo.

Além de duas doenças autoimunes — síndrome de Hashimoto e adenomiose — , tenho sintomas de inflamação constantes: enxaquecas mais leves mas ainda ruins, zumbido no ouvido o tempo todo, barriga inchada e dolorida, má digestão, dores na lombar irradiando-se para as pernas, condromalácia, dores nas juntas das mãos, mau humor, olhos “nublados”, taquicardias,  fraquezas súbitas, pálpebras caídas, sensibilidade ao frio e, nas piores fases, sangramento intestinal. Ora, se eu estava cumprindo certinho a dieta e seguindo o Protocolo Coimbra, por que nunca ficava bem? Constatava em depoimentos que gente com Esclerose Múltipla se recuperava mais rápido que eu…

Após a terceira crise com sangramento, precisei cancelar minha participação em um evento em João Pessoa. Peguei na mão de uma amiga querida e chorei muito diante de Deus, reconhecendo que não estava me responsabilizando devidamente por minha saúde. Andava adiando alguns exames chatinhos e fazendo algumas coisas erradas, mas que não me ocorriam no momento… até que lembrei.

Corri ao grupo Viva Sem Glúten, no Facebook, onde um ano atrás, após descrever os mesmos sintomas da crise atual, eu havia recebido uma orientação preciosa: eu provavelmente tinha doença celíaca (também autoimune!) e precisava cuidar da contaminação cruzada. O que é isso? Além de não consumir glúten e de não deixar entrar glúten na minha casa (o que eu já cumpria rigorosamente), deveria parar de comer em qualquer lugar inapropriado para celíacos. Isso significava deixar de frequentar todos os restaurantes, lanchonetes e cafés que não fossem expressamente isentos de glúten ou que não tivessem uma cozinha separada para preparar alimentos sem glúten. Significava também evitar todo mínimo contato com glúten: poeira de farinha suspensa no ar, cheiro de pão fresco, louça alheia… Maldita cola que gruda em tudo! Mas na época eu não estava pronta para abandonar o cum edere — em latim, “comer com”, que deu no nosso “comer”, a deliciosa vida social que se reparte na mesa sem preocupações… Sofri um ano por minha teimosia. O crescimento espiritual é lento! Entre saber algo e praticá-lo há um hiato, um deixar assentar, um processo de maturação… que se concluiu agora. A ficha caiu como um tijolo, junto com a frase: “O tratamento da DC só começa quando se cuida da contaminação cruzada.” Ou seja, enquanto eu não eliminasse as poeirinhas, meu organismo continuaria em frenesi. Eu não teria descanso.

Adeus, Outback, Camarões, restaurantes japoneses, tapioca no shopping, cafezinho despretensioso… Olá, marmitas, almoços e jantares em casa, viagens limitadas ou cheias de preocupações a mais. O único estabelecimento glúten free de Natal fechou no começo do ano. Não tenho para onde correr.

Mas, se eu chegar ao bem-estar com que sonho há anos — e que pode ser resumido no singelo desejo de cumprir todos os compromissos da agenda e manter uma rotina de exercícios físicos sem furos —, esse preço terá sido uma pechincha.

E sim, implícito neste texto está o autocuidado como parte da santificação. O corpo é você. Nesse aspecto, cristãos que não se cuidam são, na prática, mais gnósticos que cristãos.

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